Nasci a 28 de outubro de 1992, em Goiânia, Goiás. Com um ano de idade cheguei com meu pai, Francisco Lopes Rodrigues, e um tio, ao bairro de Maria Paula em São Gonçalo no Rio de Janeiro. Meus pais estavam separados quando partimos para recomeçar a vida. Preciso dizer ao começar o relato de minha experiência no Aprendiz Musical que ninguém da minha família tocava qualquer instrumento musical. A música vinha do rádio, mas quando eu tinha nove para dez anos e estudava na Escola Municipal Honorina de Carvalho, vi um cartaz na escola bem ao lado, a Escola Municipal Sitio do Ipê, “AULAS DE MÚSICA GRÁTIS”. Parei e entrei para ver, acabei fazendo naquele mesmo dia a minha a primeira aula de flauta doce. Ao chegar em casa perguntei ao meu pai se podia fazer aula no Projeto Aprendiz Musical, aí ele logo perguntou: é de graça?
Meu pai assinou a autorização, fiz a matrícula no curso do Aprendiz Musical e pude até levar a flauta doce pra casa para estudar. Desde aquele dia compreendi que o contato com o instrumento em casa faz toda a diferença, é desse modo que o aluno vai criar uma intimidade parceira com o instrumento musical, e, por outro lado, demonstra a confiança do Aprendiz no aluno. Foi o início do meu percurso na flauta doce, logo comecei a pegar a coisa; peguei muita coisa de ouvido. Voltava da aula tocando até em casa, eu era um sucesso quando andava na rua. Passava pelo barzinho e alguém pedia: “ – Toca aí o hino do Flamengo”! No bairro em que morava eu era conhecido como o menino que tocava os hinos dos clubes.
Várias coisas me marcaram no Aprendiz Musical. Lembro que fiz dois anos de estudos de flauta doce, e quando o Projeto Aprendiz iniciou um núcleo de flauta transversa não hesitei. Eu tinha doze anos, fazia flauta doce do Sítio do Ipê, que era perto lá de casa e a flauta transversa no Portugal Neves, em Itaipu. Era um caminho longo até lá, tinha que pegar ônibus, mas a paixão pela flauta transversa me levava para aulas. No Aprendiz a gente aprendia com a música popular brasileira, aprendi a tocar flauta com o Choro, era fantástico! Um ano depois, ao 13 anos, no meu segundo ano de flauta transversa, fiz uma aula experimental de violoncelo no Sítio do Ipê, e foi assim que comecei a estudar dois instrumentos simultaneamente. Nem imaginava onde isso ia dar, espera um pouco que já vou contar.
Eu estava sempre metido em muitas coisas. “- Acho que esse menino tem algo de diferente. Ele deve ser superdotado”, dizia uma professora da Honorina de Carvalho. Aí eles me convenceram a estudar no Instituto Professor Ismael Coutinho, no bairro do Ingá, em Niterói. Aí eu fui para lá. Mas toda a minha vida eu estudava pela manhã e fazia música à tarde, sendo que lá no Ismael Coutinho a aula era só à tarde. Aí as coisas começaram a embaralhar para mim. Quando eu chequei na nova escola fui colocado em um núcleo de crianças superdotadas, crianças com sete, oito anos, gênios mesmo, e eu lá com 14 anos, só tocava flauta, violoncelo e jogava xadrez. Me perguntava que eu estava fazendo ali. Parecia que havia caído lá de paraquedas. A mudança teve muitas consequências, foi o meu pior ano no Aprendiz. Aí eu decidi sair de tudo, fiquei só estudando na escola.
Um ano depois, aos 15 anos, eu vi que eu fiz uma grande besteira. Eu não podia viver sem a música. Então, mudei de escola, fui estudar no Colégio Estadual Aurelino Leal, no bairro do Ingá, em Niterói, e procurei saber se podia voltar para o Aprendiz. O núcleo principal [uma turma avançada] do Aprendiz estava no Solar do Jambeiro [também no bairro do Ingá], mas para voltar a ter aula de violoncelo deveria retornar ao Sitio do Ipê. Voltei no início das aulas em fevereiro., aí aconteceu algo incrível. O Aprendiz estava preparando um concerto, porém eu não poderia tocar na orquestra porque eu tinha acabado de chegar. Eu dizia: “- eu quero tocar!”. “- Mas a gente está ensaiando a um bom tempo e você está chegando agora”, diziam os professores. Então, eles me deram uma prova: “ – O repertório é esse daqui. Se você conseguir preparar esse repertório em uma semana você pode tocar”.
Ensaiei como um louco para conseguir aprender as músicas. O esforço valeu, eles me deixaram entrar na orquestra. Quando chequei na orquestra o professor era o Ronildo, um cara muito especial. Ele tem um poder sobrenatural que faz o aluno se apaixonar pelo violoncelo. Eu fiz aula com o ele e disse: “- é isso que eu quero para a minha vida”.
Fui do Aprendiz Musical dos 9 aos 17 anos, quando fui aprovado para música na UFRJ e na UNIRIO, universidades na cidade do Rio de Janeiro. Acabei optando pela UNIRIO, com ingresso no segundo semestre de 2010. Fui aprovado no curso de licenciatura em música, mas eu queria fazer o bacharelado, por falta de tempo não consegui preparar o repertório exigido para entrar no curso de bacharel. Aí aconteceu uma coisa muito interessante, que eu conto toda vez que eu posso. Eu fui a primeira pessoa da minha família a entrar na universidade e meu pai não soube como reagir. No entanto, o meu professor o Ronildo, meu pai na música, ele fez uma festa, ficou muito contente com meu ingresso na universidade, ainda mais sendo no curso de música.
Comecei a Faculdade, mas parei de ir logo no primeiro mês. Naquela época, meu pai estava desempregado, eu não tinha grana para bancar passagem, enfim, as despesas básicas para fazer uma universidade. Um dia, eu encontrei com o Ronildo no Aprendiz, e ele me perguntou “- e aí Lauro como está sendo a faculdade? Respondi “- Faz um mês que eu não vou. Estou sem grana de passagem. Meu pai não está trabalhando”. Ronildo foi comigo até a Estação das Barcas, no centro de Niterói, e fez um riocard pra mim; colocou 100 reais no cartão para eu conseguir ir para Faculdade.
No mês seguinte do meu retorno ao curso universitário, o professor Ronildo me mandou uma mensagem: “ A Orquestra Sinfônica Brasileira Jovem vai abrir duas vagas. Aqui estão as partituras. Vamos estudar e você vai entrar. Falou pra mim e para o Diogo Moura”. Não demorou nada, e eu e Diogo já estávamos na casa dele para estudar as músicas. Nos dedicamos muito para fazer a prova. O esforço valeu, fomos aprovados e no final do ano já estávamos na OSB Jovem, ganhando 1000 reais por mês.
Em 2011, consegui fazer a transferência do curso de licenciatura para o bacharelado, como queria desde o início. Passei a caminhar com as minhas próprias pernas! Eu continuava a morar São Gonçalo, meu dinheiro era basicamente para pagar as passagens para faculdade e ajudar em casa. Minha trajetória de vida durante a universidade foi de muito esforço e dedicação para conseguir concluir o curso. Nesse período de universidade também trabalhei na Orquestra de Barra Mansa, uma experiência marcante para mim
Em 2017, já graduado em música, fui estudar em Portugal para fazer o mestrado e acabei ficando. Atualmente eu vivo na cidade do Porto. Hoje sou o primeiro violoncelo de uma orquestra em Coimbra; a Orquestra Clássica do Centro. Além de músico profissional também sou professor na academia A Pauta. O Aprendiz Musical me apresentou uma oportunidade para descobrir a música. Só que o Aprendiz [eu vejo isso hoje com muito orgulho] também apresenta um caminho para quem pensa em seguir na profissão. O Aprendiz me deu ferramentas para que eu pudesse seguir uma carreira como músico. Eu tive professores certos na hora certa, isso eu tenho certeza, porque se eu não tivesse conhecido o professor Ronildo, eu não seria músico hoje. Eu devo muito ao projeto Aprendiz por ter entrado na minha vida, sim! Mas eu devo muito ao professor Ronildo por ter sido aquela pessoa certa no momento certo. Se eu não fosse músico hoje eu trabalharia em outra coisa. Mas não com a felicidade que eu tenho hoje por ser músico. Tem uma pessoa antes; e uma pessoa depois do Aprendiz Musical.